quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O GIGANTE ADAMASTOR

Os Lusíadas, episódio do Adamastor. 

Este episódio (canto V) integra a narração que Vasco da Gama faz ao rei de Melinde, a seu pedido, da História de Portugal. É, portanto, Vasco da Gama quem fala.

Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando hũa noute, estando descuidados ......................... uma noite
Na cortadora proa vigiando,
Hũa nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
Potestade (disse) sublimada: .....................................  poder divino
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta, ...............................  região
Que mor cousa parece que tormenta?" ............................  maior

Não acabava, quando hũa figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida, ............................. vigorosa, imponente
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida, ............................ suja
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso, .............................. Refere-se à estátua colossal de Zeus em Rodes
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

E disse: «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas ........................... rompes os limites proibidos
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados de estranho ou próprio lenho................. navio

«Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do húmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mim que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento, ................................ Males que preparei por causa do teu atrevimento
Por todo o largo mar e pela terra
Que inda hás-de sobjugar com dura guerra.»

«Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas;
E da primeira armada que passagem ........................... a de Pedro Álvares Cabral
Fizer por estas ondas insofridas, ................................... nunca navegadas
Eu farei de improviso tal castigo
Que seja mor o dano que o perigo!»

«Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança; ................. refere-se à morte de Bartolomeu Dias
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança: .................................. persistente
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!»

Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
Lhe disse eu:–Quem és tu, que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado?
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara, ..................... amarga
Como quem da pergunta lhe pesara:

«Eu sou aquele oculto e grande cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório. ........................ naturalistas da Antiguidade Clássica
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontório,
Que para o polo antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.»