Os Lusíadas, episódio do Adamastor.
Este episódio (canto V) integra a narração que Vasco da Gama faz ao rei de Melinde, a seu pedido, da História de Portugal. É, portanto, Vasco da Gama quem fala.
Porém já cinco sóis eram passadosQue dali nos partíramos, cortandoOs mares nunca d'outrem navegados,Prosperamente os ventos assoprando,Quando hũa noute, estando descuidados ......................... uma noiteNa cortadora proa vigiando,Hũa nuvem que os ares escurece,Sobre nossas cabeças aparece.Tão temerosa vinha e carregada,Que pôs nos corações um grande medo;Bramindo, o negro mar de longe brada,Como se desse em vão nalgum rochedo."Ó Potestade (disse) sublimada: ..................................... poder divinoQue ameaço divino ou que segredoEste clima e este mar nos apresenta, ............................... regiãoQue mor cousa parece que tormenta?" ............................ maiorNão acabava, quando hũa figuraSe nos mostra no ar, robusta e válida, ............................. vigorosa, imponenteDe disforme e grandíssima estatura;O rosto carregado, a barba esquálida, ............................ sujaOs olhos encovados, e a posturaMedonha e má e a cor terrena e pálida;Cheios de terra e crespos os cabelos,A boca negra, os dentes amarelos.Tão grande era de membros, que bem possoCertificar-te que este era o segundoDe Rodes estranhíssimo Colosso, .............................. Refere-se à estátua colossal de Zeus em RodesQue um dos sete milagres foi do mundo.Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,Que pareceu sair do mar profundo.Arrepiam-se as carnes e o cabelo,A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!E disse: «Ó gente ousada, mais que quantasNo mundo cometeram grandes cousas,Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,E por trabalhos vãos nunca repousas,Pois os vedados términos quebrantas ........................... rompes os limites proibidosE navegar meus longos mares ousas,Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,Nunca arados de estranho ou próprio lenho;» ................. navio«Pois vens ver os segredos escondidosDa natureza e do húmido elemento,A nenhum grande humano concedidosDe nobre ou de imortal merecimento,Ouve os danos de mim que apercebidosEstão a teu sobejo atrevimento, ................................ Males que preparei por causa do teu atrevimentoPor todo o largo mar e pela terraQue inda hás-de sobjugar com dura guerra.»«Sabe que quantas naus esta viagemQue tu fazes, fizerem, de atrevidas,Inimiga terão esta paragem,Com ventos e tormentas desmedidas;E da primeira armada que passagem ........................... a de Pedro Álvares CabralFizer por estas ondas insofridas, ................................... nunca navegadasEu farei de improviso tal castigoQue seja mor o dano que o perigo!»«Aqui espero tomar, se não me engano,De quem me descobriu suma vingança; ................. refere-se à morte de Bartolomeu DiasE não se acabará só nisto o danoDe vossa pertinace confiança: .................................. persistenteAntes, em vossas naus vereis, cada ano,Se é verdade o que meu juízo alcança,Naufrágios, perdições de toda sorte,Que o menor mal de todos seja a morte!»Mais ia por diante o monstro horrendo,Dizendo nossos fados, quando, alçado,Lhe disse eu:–Quem és tu, que esse estupendoCorpo, certo me tem maravilhado?A boca e os olhos negros retorcendoE dando um espantoso e grande brado,Me respondeu, com voz pesada e amara, ..................... amargaComo quem da pergunta lhe pesara:«Eu sou aquele oculto e grande caboA quem chamais vós outros Tormentório,Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,Plínio e quantos passaram fui notório. ........................ naturalistas da Antiguidade ClássicaAqui toda a africana costa acaboNeste meu nunca visto promontório,Que para o polo antarctico se estende,A quem vossa ousadia tanto ofende.»